
Na noite da virada, a cena se repete: roupas claras, areia cheia, abraços entre desconhecidos, fogos que rasgam o céu por alguns minutos. Pode parecer excesso de ritual para algo tão simples quanto a troca de um número no calendário. Mas a insistência coletiva em celebrar diz muito mais sobre o que fomos — e sobre o que precisamos continuar sendo.
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O Réveillon é uma dessas festas que não acontece porque tudo está fácil. A comemoração ocorre justamente porque o ano foi pesado. Porque houve cansaço, perdas, medo, instabilidade, calor demais, dinheiro de menos, notícias difíceis. Celebrar, nesse contexto, não é ingenuidade nem alienação: é resposta. Como lembra Luiz Antonio Simas: “a gente não brinca e festeja porque a vida é mole; a gente faz festa porque a vida é dura”. A virada importa porque ela oferece uma pausa para celebrar — e, assim, conseguir seguir.
No Brasil, e especialmente no Rio, essa resposta assume a forma da rua. A festa é pública, aberta, misturada. Em 2024, a cidade voltou a bater recordes de turistas no período do Réveillon. Hotéis lotados, aeroportos cheios, línguas diferentes se cruzando na areia. Não se trata apenas de números ou impacto econômico — embora isso também conte. Trata-se de imagem, de afeto e de encontro. O país reaparece no mapa não só como destino, mas como experiência de convivência.
Há algo de profundamente político nessa mistura. Cariocas, paulistas, nordestinos, argentinos, europeus, americanos — todos partilhando o mesmo espaço, submetidos ao mesmo calor, olhando para o mesmo céu. Em um mundo cada vez mais polarizado, a festa coletiva ensaia, ainda que por uma noite, a possibilidade de estar junto. Não resolve conflitos, não apaga desigualdades, mas cria uma suspensão: um intervalo em que a vida parece minimamente compartilhável.
A virada também importa porque reafirma uma linguagem cultural. O Brasil responde à dureza do cotidiano com corpo, música, comida, rua e celebração. Não por desconhecer o sofrimento, mas por reconhecê-lo. A festa não nega o peso do ano que passou; ela o carrega e, ainda assim, escolhe continuar.
Quando o ano vira, não viram apenas os relógios e calendários. Vira-se um pacto silencioso de seguir tentando. De desejar saúde, trabalho, amor, paz — mesmo sabendo que nada disso é garantido. O Réveillon não promete soluções, mas oferece o fôlego necessário.
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Por isso a virada importa. Porque, num país fragmentado e acostumado a atravessar crises, festejar continua sendo uma forma de dizer que a vida é dura, sim — e que, apesar disso, a gente não abre mão de estar junto para enfrentá-la. Que o ano que começa nos encontre assim: juntos, apesar de tudo.
Feliz ano novo!
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