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Análise: Vale Tudo discute ecologia com boa intenção, mas falha na execução

O texto de Manuela Dias derrapa ao adotar tom panfletário

André Santana
André Santana
Jornalista, escritor e produtor cultural, André Santana escreve sobre televisão desde 2005 e já passou por várias publicações especializadas, assinando críticas, análises e informações sobre TV e novelas.
Afonso (Humberto Carrão) em Vale Tudo
Afonso (Humberto Carrão) em Vale Tudo – Foto: Reprodução/TV Globo

Na nova versão de Vale Tudo, Manuela Dias fez uma escolha estratégica: reduziu o tom político da trama original para dar espaço a reflexões sobre sustentabilidade e meio ambiente. A intenção era atualizar a novela para o cenário atual sem entrar em embates ideológicos que pudessem comprometer sua recepção em um contexto marcado por polarizações.

Contudo, essa tentativa de modernização encontra dificuldades. A abordagem ecológica, até o momento, não tem sido bem recebida. Em vez de despertar consciência ou gerar empatia, o discurso sustentável acaba por irritar o público. A novela, assim, corre o risco de provocar exatamente o efeito contrário ao desejado por uma campanha social veiculada em horário nobre.

O principal representante dessa pauta é Afonso, interpretado por Humberto Carrão. Herdeiro de Odete Roitman (Debora Bloch), ele tenta implementar práticas menos poluentes na TCA, empresa aérea da família. Mas a construção do personagem não favorece a causa: Afonso é apresentado como um sujeito entediante, distante da realidade, e seu ativismo soa mais como pregação vazia do que como inspiração.

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Comparação

A comparação com o Afonso da versão de 1988, vivido por Cassio Gabus Mendes, é inevitável. Apesar de ingênuo, o personagem original demonstrava compromisso com a empresa e encarava o trabalho com seriedade. Já em 2025, seu sucessor parece alheio às responsabilidades familiares. Como triatleta, passa os dias se dedicando aos treinos e ignora o mundo corporativo — o que o torna ainda mais antipático aos olhos da audiência.

Essa falta de conexão se agrava quando o Afonso atual é mostrado em cenas caricatas, como a em que cronometra o tempo de banho para economizar água. A tentativa de ilustrar sua consciência ambiental acaba por ridicularizá-lo. Com isso, o personagem perde credibilidade e, ironicamente, a audiência tende a simpatizar com a postura pragmática de Odete, que só quer ver o filho trabalhando.

A construção mal-sucedida de Afonso esvazia a discussão ecológica. Quando o porta-voz da mensagem é rejeitado, a mensagem também perde força. A situação remete a Amor de Mãe (2019), na qual Manuela Dias apresentou Davi (Vladimir Brichta), outro defensor das causas ambientais, igualmente tachado de chato e desconectado.

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Erro que se repete

Vale Tudo - Odete e Afonso
Vale Tudo – Odete e Afonso (Globo/ Léo Rosario)

Em Vale Tudo, o erro se repete: Afonso é retratado como um jovem rico, mimado e improdutivo. Embora a novela pudesse explorar de maneira relevante o impacto ambiental da aviação, essa possibilidade se esvanece porque o público não se engaja com quem a defende. Falta carisma e sobra idealização.

Um problema recorrente em novelas que tentam abordar temas ecológicos é retratar os personagens engajados como figuras moralmente superiores, quase inatingíveis. Isso cria uma barreira entre eles e o espectador, que não se vê refletido nessas figuras “perfeitas” e repletas de regras.

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Saída

Uma alternativa interessante seria buscar inspiração em séries como Aruanas (2019), que mostrou ativistas ambientais com múltiplas camadas e conflitos pessoais. Natalie, Verônica, Luiza e Clara lutavam por um mundo melhor, mas tinham falhas humanas que as tornavam críveis.

Verônica, por exemplo, envolvia-se com o marido da amiga, enquanto Luiza enfrentava dilemas na relação com o filho. Esses contrastes aproximavam as personagens da realidade do público.

Novelas têm potencial para provocar reflexão sobre questões importantes como o meio ambiente. No entanto, é essencial que os personagens que representam essas causas sejam complexos, humanos e imperfeitos. Caso contrário, correm o risco de se tornarem “ecochatos” — e aí, nenhuma mensagem, por mais nobre que seja, consegue se sustentar.

**As críticas e análises aqui expostas correspondem à opinião de seus autores

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André Santana
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Jornalista, escritor e produtor cultural, André Santana escreve sobre televisão desde 2005 e já passou por várias publicações especializadas, assinando críticas, análises e informações sobre TV e novelas.

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